Entrevista com Salvador Sobral

‘’Vou experimentar escrever a minha própria música, ver se consigo dizer alguma coisa ao mundo com canções que me saem da alma’’

Alexandre Quintela Silva

Salvador Sobral é um cantor português vencedor dos Festivais da Canção e Eurovisão 2017 com o tema ‘’Amar pelos dois’’, que até hoje, é o tema com mais votos reunidos na história do festival Eurovisão.

Anunciou recentemente que desde o início da pandemia está a trabalhar num novo álbum - que já tivemos um cheirinho no programa Elétrico - o que nos pode dizer à cerca deste novo projeto que sucede ‘’Paris, Lisboa’’?

O ano passado fiz um projeto de homenagem ao Jacques Brel,  quando descobri a sua música fiquei completamente…epá, aquilo impactou-me imenso, porque ele escrevia sobre a sua vida, canções totalmente autobiográficas o que fazia com que a interpretação dele fosse única, tão intensa tão verdadeira.
Depois desse projeto eu pensei, o próximo disco que eu fizer vou fazer só com música minha, porque a verdade é que nunca experimentei. Já percebi que tenho valor enquanto intérprete, então vou experimentar escrever a minha própria música, ver se consigo dizer alguma coisa ao mundo com canções que me saem da alma.
E fiz, juntei me com o meu companheiro de escrita Léo Aldrey, um grande amigo Venezuelano, e começamos a compor juntos. Foi uma experiência incrível, agora é ver se corre bem, se não, já sei que posso voltar a interpretar coisas dos outros (risos).

Como é - pela primeira vez - o processo criativo de ser não só o intérprete, mas também o compositor?

A verdade é que eu desromantizo completamente a ideia de compor, imagina, estas aqui muito bem e és atingido por um raio de inspiração (risos) comigo zero (mais risos), eu não sou assim. Com o Léo acordávamos - eu tarde - mas era acordar, sentar e começar a compor. É um processo completamente forçado, zero romântico, é como se fosse um trabalho de escritório. Quando estamos a compor vamos procurar rimas no dicionário - nem sempre são rimas que te veem à mente - quando estás bloqueado procuras rimas, sinónimos e vais ao dicionário de expressões idiomáticas, são coisas essenciais. É um processo completamente racional (o de compor) para mim, claro que havia coisas que saiam assim de uma assentada de inspiração, mas a maior parte foi forçado, nada romântico.

Jacques Brel é um artista muito conceituado, como foi trazer à vida, a sua versão do seu trabalho?

Foi muito intenso, no ultimo dia tive não sei bem o que, uma queda de tensão ou assim, acabei por ir vomitar à casa de banho (risos).
Imagina, para mim, a obra de  Jacques Brel é perfeita, é como se quisesses agora mudar a arte do Picasso, vai lá mudar o Guernica, é muito difícil adaptar uma coisa perfeita e estava com medo disso. Mas nestas situações temos que mudar completamente de direção e fazer algo diferente da obra original, então começamos a fazer arranjos com uma banda de estilo diferente do Jacques Brel - que era mais orquestra - e visto que a banda foi diferente o som torna se diferente, a estética torna se outra.
Não só, estávamos com 8 músicos extraordinários, não só tecnicamente mas também musicalmente, fiz um casting incrível da banda que me permitiu fazer arranjos diferentes e as pessoas receberam muito bem.
Quer dizer, houve um critico que me escreveu mal (risos), mas o resto das pessoas receberam super bem, foi o projeto que mais me deixou realizado até hoje.

Falando de Léo Aldrey, como foi trabalhar como ele pessoalmente e também à distância nestes tempos de pandemia?

Curioso, porque em fevereiro - antes de rebentar a Covid - fizemos uma residência no Alentejo, eu com um bumbo que trouxe da minha casa e ele com um piano. Tivemos um mês a tentar escrever e não saiu muita coisa até ao dia vinte. Estava a ser difícil, eu estava um bocadinho assustado, mas ele dizia sempre para não me preocupar porque é normal, já tínhamos composto juntos para o primeiro disco e para o segundo, por isso já nos conhecíamos bem. Ele é muito diferente de mim, eu sou mais emocional e ele mais racional, ele preparou imensos jogos de composição para criarmos personagens, estórias até jogos de escrita criativa, enquanto eu tentava ser um bocadinho mais aéreo. Mas a verdade é que nesse mês não surgiu grande coisa, depois rebentou a Covid e ele voltou para Barcelona. Nessa altura começamos a fazer sessões por Skype e acabamos por encontrar a nossa dinâmica e ritmo de trabalho, era o que estava a faltar. Eu entrei desenfreadamente num processo criativo, a escrever muitas letras - como estava fechado em casa - e ele a mesma coisa com a música, íamos trocando ideias, alterando coisas, foi muito fixe. Mas é curioso, foi depois de estarmos juntos.

Alem disso, tem também o projeto da ‘’Alma Nuestra’’ com Vítor Zamora, como tem sido essa experiência?

Alma Nuestra é uma banda onde eu posso explorar a minha veia mais teatral, um dia gostava de fazer cinema e teatro, e na Alma Nuestra tocamos música Latino-Americana, que se reza muito a uma interpretação dramática. Também acho que por sermos os quatro a banda, e não ser algo só em meu nome, retira um pouco daquela responsabilidade dos meus ombros entendes?  É uma coisa só para disfrutar e não tem nenhum peso agregado, acho que aproveito a Alma Nuestra para me divertir muito.

Já que estamos a falar de cinema, talvez uma presença que tenha passado despercebida no radar de muitos/as foi a sua presença no filme ‘‘Eurovision - Fire saga’’ da Netflix, que conta com a participação de Rachel Adams, Pierce Brosnan e Will Ferrel. Como foi a experiência e como surgiu?

Enquanto escreviam o guião estavam sempre a dizer que me tinham em mente, a mim e ao ‘’Amar pelos dois’’, quando fizeram a proposta a minha resposta inicial foi logo não (risos), mas foram insistindo e eu acabei por me convencer que não me estava a comprometer artisticamente se fosse lá tocar piano e cantar durante uns minutos, então acabei por aceitar.
Foi uma experiencia divertida, não manchou nada, deu para ver uma produção enorme ‘’Hollywoodesca’’ com quilómetros e quilómetros de caravanas, foi interessante.
E graças a isso a canção passou novamente nos Estados unidos, passou por um reboost. No geral - apesar de não gostar do filme - que não tem substância, foi uma experiência engraçada.

Será algo a repetir? Salvador sobral no cinema?

Sim, mas numa coisa que eu me orgulhe verdadeiramente. Gostava de começar com um papel secundário num filme de autor, cinema independente, algo profundo. Um projeto que me dissesse qualquer coisa, mas tenho a sensação de que esse dia está a chegar. Vou ter a minha primeira experiência enquanto ator aqui no CCB, uma peça de teatro, uma adaptação de ‘’La strada’’ de Frederico Fellini então aí já vou ter uma noção da minha aptidão para ator, mas tenho muita curiosidade.

De certeza que muitas pessoas ouvem o nome Salvador Sobral e a primeira coisa de que se lembram é aquela edição do festival da canção onde foi o vencedor e do êxito ‘’amar pelos dois’’, o quão importante é - como artista - seguir em frente desse feito mas sem o deixar para trás?

Isso é delicado porque eu estou muito agradecido, é um pau de dois bicos (risos) embora eu esteja super agradecido a tudo o que o ‘’Amar pelos dois’’ me trouxe, tocar por todas as partes do mundo e ser conhecido por ai, não posso ser refém disto. Quantos casos é que nós não temos de one-hit wonders?  Então o que eu estou a fazer neste momento é trazer as pessoas ao concerto pelo ‘’Amar pelos dois’’, mas mante las no concerto com outras coisas. Neste momento estou a fazer um ‘’desmame’’ natural desta canção, ultimamente em Portugal eu jamais toco a canção, quando estou com o um projeto a solo - que é onde eu supostamente tocaria a canção - quase nunca toco. Se calhar se for a um sítio onde nunca toquei, por exemplo Bragança, toco um bocadinho da canção. Mas se for uma localidade repetida não toco, por exemplo fomos à Lituânia e não toquei a canção. Tem de haver um desmame para eu não ficar refém e ser one-hit wonder, pode ser que isso chateie as pessoas, mas eu tenho de seguir em frente com música nova.

Algo que se nota muito ao acompanhar a sua presença nas redes sociais é o apoio estrangeiro, nomeadamente em Espanha e França. Como é sentir esse carinho não só de Portugal, mas também la fora?

É muito importante, tudo começou na Eurovisão, eu fiquei conhecido pela Europa fora e tal (risos). Mas eu adoro, eu adoro as pessoas, sou apaixonado pelo ser humano e por comunicar com ele, por isso é que estudei Psicologia, tenho um amor pela comunicação com o outro e então adoro conhecer as pessoas em todas as suas culturas. Sempre que toco lá fora toco uma canção do sítio, por exemplo na Polónia toco uma canção Polaca se vou tocar a Hungria toco uma Húngara. Acho que as pessoas adoram esse tipo de coisas, alem disso falo sempre um bocadinho da língua.  Adoro tentar aproximar-me das pessoas e da cultura delas, acho que elas sentem isso e deve ser por isso que tenho uma base grande de fãs fora do país.

Júlio Resende anunciou recentemente que se iria dedicar em exclusivo à sua carreira a solo, como foi colaborar com ele nos últimos 5 anos? Nos palcos e fora?

Acredito que na música é um bocado como no amor, não é fácil ter uma conexão ou química com alguém, eu e o Júlio desde o inicio que tivemos uma boa química musical, uma simbiose energética entre os dois, parece que ele sabia os caminhos que eu queria tomar e eu os dele. Houve até uma altura em que pensei que não seria possível fazer o meu projeto sem ele, mas foram cinco anos bons e paramos a tempo.
Agora ele vai dedicar se à carreira dele – o que é completamente legitimo – e eu conheci um pianista, um puto Sueco que é um pequeno génio e não dá nenhuma importância a isso (risos). Acho que o melhor das pessoas surge quando são talentosas e estão se a borrifar para isso, ele é muito boa pessoa e felizmente conheci-o, sinto-me muito descansado com o meu projeto e por poder contar com ele.
Mas não acho que isto seja um ponto final entre mim e o Júlio, havemos de colaborar no futuro.

‘’Enquanto não tivermos 1% do Orçamento de Estado e estatuto intermitente de artista - o que existe em França - as coisas não podem melhorar’’

No início do ano, fez parte de um apelo aos líderes europeus para apostarem na cultura, sentiu que houve uma resposta adequada ao apelo?

Os líderes europeus não ouvem o que eu digo (risos), mas não, não houve resposta adequada, nem neste país nem nos outros, mas no nosso país é particularmente preocupante porque a cultura interessa ao governo o que 0, 8%?

Representa aproximadamente 0,55% do orçamento de estado deste ano, o ano passado era por volta de 0,40%.

Pois, enquanto não tivermos 1% do Orçamento de Estado e estatuto intermitente de artista - o que existe em França - as coisas não podem melhorar. Tenho imensos amigos artistas, técnicos, e músicos que estão a passar muito mal com a crise.
Esta crise só veio levantar o véu dos verdadeiros problemas da cultura que já existem desde sempre, o artista não consegue ser auto suficiente neste pais, depende do seu trabalho e não houve qualquer tipo de ajuda do Estado.
Tentaram fazer uma tentativa falhada de apoio aos artistas, aquele milhão que iam gastar em concertos com o TvFest que acabou por ser cancelado por imparcialidade na escolha dos artistas, enfim.

Um dado curioso é que este ano são 523 Milhões do OE para a cultura, mas mais de metade vai para a RTP, o que pensa disto?

Mas depois se tu vais lá tocar ao programa da tarde não te pagam, eu fui agora a Itália tocar e pagaram, a um indivíduo estrangeiro que nem sequer é muito conhecido em Itália, estamos só a começar.
Na RTP não sei para onde é que o dinheiro vai, mas para os artistas não vai, o Elétrico finalmente começou a pagar a todas as bandas, felizmente. Epá não sei, não quero ser super pessimista, mas não me parece que isto esteja a melhorar.

O que acha sobre a lei recentemente aprovada que permite as grandes multinacionais de streaming passarem a produzir series ou filmes portugueses em vez de pagarem impostos?

A sério? Não sei como é que me sinto em relação isso, tenho de pensar.
Por que razão não pagam impostos? Se toda a gente paga, a Netflix - que é uma empresa tão rica - não paga? Ou vai deixar de pagar? Isso é um escândalo, mas se é para apoiar os trabalhadores…não sei vou ter de pesquisar, será que vai ser algo bom, ou vai sempre para os mesmos? Tenho dúvidas, vou ter de pesquisar.

Algum artista ou género em ascensão específica que o cative cá em Portugal?

No hip-hop fazem se coisas muito interessantes, o Slow já não é em ascensão, já e confirmado, mas o Hip-hop no geral. Obviamente também há coisas muito interessantes a fazerem se no Jazz nacional. A cultura no geral, mas a música e o cinema em específico, estão a ascender em Portugal desde 2016, já não somos só o Fado la fora, o que é muito importante.

Se pudesse colaborar com qualquer artista, vivo ou não, quem seria?

Morto se eu pudesse era o Chet Baker, e vivo só me falta dos meus grandes ídolos, epá é incrível já cantei com todos só me falta um, o Stevie Wonder.

Onde é que o podemos ver a seguir? (concertos)

Quinta feira foi me dado uma carta branca para o Lisbon and Sintra filme festival, para fazer o que eu quisesse, tinha de ter cinema e música, então eu tive uma ideia de fazer uma banda de mariachi. Gosto muito de cinema mexicano, então vamos passar dois filmes mexicanos, ‘’Os esquecidos’’ de Luís Buñuel e ‘’Tu mama tambien’’ do Alphonso Cuaron - duas obra de arte incríveis - e vou fazer um concerto só mexicano, com música mariachi.
Em Dezembro vou ter mais uns concertos com a minha irmã, a cantar musicas importantes da nossa infância - que ouvíamos com os nossos pais no carro - e depois é preparar para o novo disco.

Agora podemos fazer umas perguntas rapid fire?

Tenho de responder rapidíssimo, não é?

Exato.


Series ou filmes? Filmes
Dia ou noite? Noite
Livros ou ecrãs?
Livros
Música favorita?
Jazz
A solo ou acompanhado?
Acompanhado
Home or on the road? On the road, always
Comida favorita? Polvo à lagareiro
Discografia ou ao vivo? Ao vivo
Esquerda ou Direita? Esquerda
Cantar em inglês ou espanhol? Espanhol



É tudo, obrigado pelo teu tempo Salvador.
De nada, ora essa!

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